É possível a concessão de aposentadoria por invalidez existindo incapacidade parcial e permanente no caso de doenças que não se relacionem com o HIV
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Em sessão ordinária de julgamento realizada no dia 23 de setembro de 2021, por videoconferência, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) decidiu, por maioria, dar provimento ao incidente de uniformização nacional, nos termos do voto do juiz relator, julgando-o como representativo da controvérsia, para fixar a seguinte tese:
“É possível a concessão de aposentadoria por invalidez, após análise das condições sociais, pessoais, econômicas e culturais, existindo incapacidade parcial e permanente, no caso de outras doenças, que não se relacionem com o vírus HIV, mas, que sejam estigmatizantes e impactem significativa e negativamente na funcionalidade social do segurado, entendida esta como o potencial de acesso e permanência no mercado de trabalho” (Tema 274).
O Pedido de Uniformização foi interposto por uma segurada do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), portadora de Lúpus eritematoso sistêmico e que trabalhava como empregada doméstica, contra sentença da 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais de Pernambuco (PE). A segurada requereu a concessão de aposentadoria por invalidez, indeferida pelo INSS na via administrativa. A Turma pernambucana entendeu que a demandante recolhia contribuições na condição de segurada facultativa e que, para os atos da vida diária, não havia incapacidade relativa à doença.
A autora da ação recorreu à Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais de Pernambuco, que proveu parcialmente o pedido, concedendo o restabelecimento do pagamento do benefício de auxílio-doença.
Inconformada, a segurada interpôs incidente de uniformização de jurisprudência, ao considerar que a decisão contrariava a tese firmada pela TNU, no sentido de que, em casos de doença com certo estigma social, as condições pessoais e sociais dever ser avaliadas. Segundo a requerente, a decisão estabelece que os aspectos pessoais e sociais devem ser examinados sob a perspectiva de reingresso no mercado de trabalho de uma pessoa acometida por doença estigmatizante.
Voto do relator
Em suas razões de decidir, o relator do processo na TNU, juiz federal Luis Eduardo Bianchi Cerqueira, destacou a jurisprudência do Colegiado a respeito da questão: “No mérito, a Turma Nacional tem considerado que doenças estigmatizantes devam ter um tratamento diferenciado, no que diz respeito à análise da possibilidade de reconversão do trabalhador, quando acometido de incapacidade parcial e permanente”.
O juiz federal evidenciou a aparente contradição entre as Súmulas 77 e 78 da TNU, que abordam o tratamento da matéria específica relativa ao portador do vírus HIV. Na análise do relator, os normativos provocam confusão, e explicou: “A Súmula 77 afirma a necessidade de existência de alguma incapacidade para a realização da verificação das condições sociais, econômicas, pessoais e culturais, em qualquer caso, como regra geral; enquanto a Súmula 78 diz ser necessária a avaliação de tais condições, no caso do portador do HIV, por conta do estigma social”.
A partir de tal análise, o magistrado concluiu que a pergunta do Tema 274 seria questionar se somente o HIV merece esse tratamento diferenciado ou se outras doenças, que apresentarem o mesmo viés estigmatizante, também poderão ensejar a concessão de aposentadoria por invalidez quando existir incapacidade parcial e permanente, e que as condições e possibilidade de inserção no mercado de trabalho sejam muito reduzidas ou nulas, mesmo que haja reconversão laboral.
Decisões
Ao analisar a jurisprudência de outros tribunais, o relator evidenciou que, em todos esses casos — doenças de pele, Síndrome de Marfan ou doenças psiquiátricas —, existe o elemento “estigmatização” a prejudicar a empregabilidade do segurado, ainda que a sua incapacidade não seja total.
“Percebe-se, por conseguinte, que a Turma Nacional e as turmas recursais possuem precedentes, autorizando a concessão de aposentadoria por invalidez, mediante a análise das condições sociais, pessoais, culturais e econômicas, mesmo no caso da incapacidade não ser total, mercê da estigmatização social trazida pela doença”, declarou o juiz federal Luis Eduardo Bianchi Cerqueira.
Por fim, após abordar os impactos da estigmação social e de doenças incapacitantes, o magistrado definiu que, para se conceder o benefício por incapacidade, sendo esta parcial e permanente, para portadores de doenças estigmatizantes (inclusive todas as demais, além daquelas decorrentes de contágio e/ou infecção por HIV), deve ser realizada a avaliação das condições pessoais, econômicas, sociais e culturais. Tal análise visa aferir a funcionalidade social do segurado/trabalhador, verificando se há condições mínimas de se obter colocação no mercado de trabalho.
“Outra não pode ser a conclusão, até que se revogue ou modifique a Súmula 77 ou a própria Súmula 78, para eliminar o aparente conflito surgido e restaurar o sistema, possuindo a resposta à questão formulada no Tema 274 um alcance bem menor do que se considerada aplicável a Súmula 78, sem a incidência da regra geral da Súmula 77, apenas trazendo maior especificidade ao que já foi decidido na Súmula 47 desta Turma Nacional. Portanto, uma revisão das referidas Súmulas se faz necessária”, afirmou o juiz federal.
Processo 0512288-77.2017.4.05.8300/PE
FONTE: AASP – Associação dos Advogados de São Paulo